segunda-feira, 27 de abril de 2009

A luta para que não mais se repita!



Talvez cause estranheza esse post, mas sou uma defensora de todos os sonhos. Não resisti em relatar a experiência vivida neste domingo, 26 de abril.

O convite me pareceu irresistível: participar de uma Marcha pela Vida, caminhando cerca de dois quilômetros a partir de um determinado ponto na avenida Antonio Eiras Filho, até o Cemitério Israelita do Butantã. Com este ato, a comunidade judaica de São Paulo celebrava o Yom Ha-Shoah, o Dia de Lembrança do Holocausto, e se posicionava contra a vinda do presidente do Irã ao Brasil, dia 6 de maio, quando será recebido pelo presidente Lula.

Tinha tudo a ver com a Rivka dentro de mim, o nome que adotei como judia, em 1977, convertida que fui pelo rabino Henry Sobel. Caminhei em meio a pessoas de muita idade, a crianças e bebês de colo, adolescentes com jeans e aparelhos nos dentes, a rabinos com suas vestes pretas e semblantes sérios, e homens com suas kipás na cabeça, a nos lembrar todo o tempo que existe Alguém Maior acima de nós, a nos proteger e guiar.

Eu poderia descrever em detalhes tudo o que se seguiu naquele espaço de quatro horas, mais ou menos, em que o sol brincou de esconde-esconde sobre o gramado onde se armou o cenário para a celebração. Mas vou me deter naquilo que despertou em mim um profundo sentimento de gratidão por estar ali. Foi a oportunidade de unir minha intenção ao apelo e às lembranças daqueles que lutam (e assim será feito, pela eternidade) para que não mais se repita o irreparável dano à humanidade, do qual alguns sobreviveram para contar e escrever a longa história de agonia e espanto.

Como nas palavras de um vigoroso Ben Abraham, nascido em Lodz, na Polônia, e que aos 14 anos de idade foi levado com os pais para o gueto, em 1939. Passou por três campos de concentração até ser confinando em Auschwitz, de onde só saiu na primeira noite do mês de maio de 1945, pesando 28 quilos. Tem levado a vida cumprindo o propósito que se prometeu, o de contar à humanidade o drama do qual ele foi protagonista. Foi o que fez ontem, amparado pela admiração e reverência dos que o ouviam falar da humilhação, da perda de toda a família, das doenças contraídas e da fome “que nos fazia pegar do esgoto a batata podre que passava boiando e era levada diretamente à boca”.

Para aqueles que insistem em negar o holocausto, como o ensandecido que breve chega ao país, bastava o testemunho de um Ben Abraham, dando sua voz a todos os que foram silenciados. Ninguém ousaria duvidar da sua dor. Mas entre os indivíduos, especialmente os que comandam as nações, parece haver um “esquecimento” assustador em relação àquele passado e uma indiferença ameaçadora em relação ao presente, pois o mundo não se cansa de produzir outros holocaustos. Aí está o genocídio de Darfur, no Sudão, só para lembrar de um, bem agora diante dos nossos olhos.

E não precisa ser muito esperto para saber que memória se constrói. Memória se exercita, com educação e com a perpetuação da história, que pode ser passada adiante com atos como vimos ontem, no monumento ao Holocausto. Com a fala do Sr. Ben Abraham, com as lideranças se posicionando nas suas comunidades, por menores que sejam, com a vigilância constante sobre falas desastradas como as de Ahmadinejad e seus simpatizantes.

E com o envolvimento das futuras gerações, como também se pôde ver ontem. Fosse nas seis tochas acesas (simbolizando, as seis, os seis milhões de judeus mortos pelo nazismo) por representantes dos vários grupos presentes, entre eles os pequenos que faziam a quarta geração dos que sobreviveram, fosse pelos grupos de estudantes brasileiros que naquele exato momento da homenagem no Brasil se encontravam na Polônia, testemunhando o irrefutável.

Um contato pelo celular colocou no ar, pelas caixas de som, as vozes de três estudantes de escolas israelitas brasileiras, que acabavam de percorrer o nefasto território onde seus bisavós um dia pisaram e lá ficaram, os campos de concentração na Polônia. Falaram de como aquela experiência os transformara e do quanto suas almas haviam sido tocadas por uma história da qual também faziam parte.

Defender e honrar essa história é o propósito desses meninos, que simbolizam os antepassados e todos os que virão depois deles. Um sonho para ser alimentado e passado adiante, assim como aquele que um dia nutriu o Sr. Ben Abraham para ele contar ao mundo o que seus olhos viram e seu coração guardou. Que acalentou meu sogro, Efroim Sztajnbok, ele também liberto de campo na Polônia, a quem conheci já velhinho, mas sempre esfuziante ao tomar nos braços nosso pequeno Sacha, o neto que ele tanto amou, a melhor herança que me deixou, o melhor testemunho de sua linhagem.

A diferença deste sonho e aqueles de que trata esse espaço é que o sonho de paz e dignidade para todos os povos exige que nos mantenhamos acordados, despertos e vigilantes.

5 comentários:

Milton Nachtajler disse...

No mesmo texto, lembrança do passado, relato do presente e preocupação com o futuro próximo... o tal Mahmoud... mas, suas palavras fortalecem a idéia de que a Comunidade Judaica Brasileira deve se posicionar no dia 6 de maio para mostrar àquele bandido que estamos vivos. Parabéns pelo artigo, Rivkale!!!

Anônimo disse...

Seu artigo me comoveu...Como espiritualista convicta de que esses trágicos episódios jamais devem ser esquecidos ou repetidos, e que mesmo que haja uma razão qualquer para que este sofrimentos tenha existido, toda a humanidade deve lutar para que estes fanáticos religiosos que negam a própria historia sejam banidos..PARABÉNS

edna sbrissa disse...

não sou anônima...sou eu mesma..
Edna

Roseana Trein disse...

Lindíssimo texto, pela emoção, significado e sentido!
Somos tão pequenos frente a essa barbárie acontecido sob a complacência de toda uma humanidade!
Um horror que a simples lembrança nos faz liberar nossos maiores medos.
Os que negam ou contextualizam ou politizam o ocorrido são pessoas(?) que não conseguem sequer enxergar a brutal realidade dos fatos e se paralisam frente a estes medos. Preferem a negação!
Vamos deixar eles no seus longos caminhos de crescimento emocional, pessoal e espiritual. Que Deus tenha piedade deles!
De minha parte, minha humilde oração e um enorme, mas enorme mesmo, pedido de desculpas em nome de uma humanidade enloquecida!

Maria Helena Viegas Ribeiro disse...

Vera, que maravilha! Li emocionada tudo o que vc contou maravilhosamente bem, o relato com o sr. Ben Abraham contando as amarguras da fome. Sobre os estudantes brasileiros que estão na Polônia, que emoção devem ter sentido, meu Deus!
Minha amiga, vc nasceu para escrever e o faz lindamente! Parabéns!
Seu texto vai despertar em muitas pessoas que o lerem, o seu sentimento solidário com a comunidade judaica do Brasil e certamente, o reconhecimento pelo horror de pensar que esse iraniano demoníaco possa vir ao nosso país.
Tenhamos fé e esperança de que tal coisa não chegue a acontecer. Vou passar para alguns amigos.
Fique com Deus, pois vc fez aquilo que sentiu necessidade de fazer.