sábado, 6 de novembro de 2010

Um farol a nos guiar


Há muitos anos, mais precisamente em 1998, estava eu vivendo um dos meus processos terapêuticos, e levei para a sessão um sonho que jamais esqueci. No sonho, resumidamente, estou deitada no chão de uma área que parece um parque meio abandonado, coberta com uma manta já bastante gasta. Há uma árvore imensa e no alto há um macaco. Ele é grande, está imponente na árvore, me olha muito sério, tem uma cabeça altiva, dourada. E eu apenas olho, sem sentir medo, mas sem fazer qualquer movimento. Na sessão, consegui identificar todas aquelas qualidades do macaco, mas custei muito a trazê-las para mim, para associá-las. E perguntei então o que eu teria que fazer para integrar aquela altivez, aquela beleza, aquela cabeça luminosa, aquele poder? E a terapeuta me perguntou: você pelo menos se levantou do chão?

A este sonho seguiram-se mais dois muito significativos. Em um, estou em um lugar que parece o cais do porto, com muitas linhas férreas no chão. Estou em pé, com um cobertor que não está em farrapos, e pergunto a um menino que aparece: para onde eu vou? E no sonho que fecha esta sequência, estou usando um conjunto de saia e blazer, vestida com elegância, carrego algumas pastas de documentos nas mãos e subo uma escadaria como de um prédio público. Entro então em um salão como esses de convenção, lotado de pessoas, e na mesa de trabalho há um lugar vago e indicam-me que devo me sentar ali. Sento e só então olho a pessoa que está ao meu lado. Era o então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Esta sequência de sonhos aconteceu no primeiro semestre de 1998, quando minha vida em Santos seguia normalmente, trabalhando como assessora de imprensa há mais de três anos em uma empresa privada. Ou seja, aparentemente, nenhum vento novo à vista, mas o mês de setembro daquele ano me encontrou desembarcando em Brasília, exatamente quando FHC começava seu segundo mandato. E na Capital Federal fiquei por sete anos, fazendo assessoria de imprensa em três ministérios!

Vi algo assim se repetir agora, com uma das sonhadoras do meu cenário. Mulher empreendedora, dinâmica, 45 anos, e vivendo um momento de grandes decisões profissionais. E ela então sonha com um leão que a observa atentamente. Ela está entre o leão e um precipício. Embora o animal não pareça ameaçador, a sonhadora pensa que se ele andar na direçao dela, o melhor será saltar por cima do precipício porque ela tem certeza que alcança o outro lado. Perguntei a ela quais são as qualidades de um leão e ela enumerou desde ele ser o rei da floresta até ser o Sol no zodíaco, regente do signo de leão. Não fosse a sonhadora uma leonina...

Assim como eu me apropriei das (minhas) qualidades que reconheci naquele macaco, também esta sonhadora assumiu o seu leão em vez de saltar sobre o precipício. Ilusão do ego achar que pode pular um precipício sem se esborrachar embaixo. Encheu-se do seu brilho, da sua força e das suas garras, ouviu o chamado instintivo e foi à luta, negociar os novos passos da sua carreira empreendedora. Para tanto, ela terá que mexer muito na sua vida, na sua rotina, até mesmo mudar de casa. Assim como eu também fiz uma revolução para assumir meu novo tempo longe da terra natal.

Tudo isso para dizer que nossos sonhos nos preparam para sermos protagonistas da nossa história e não espectadores de um roteiro cujo sucesso colocamos nas mãos do outro. Nossos sonhos vêm e nos mostram, simbolicamente, aquilo que não estamos enxergando em nós. De bom e de ruim, de bonito e de feio, de luminoso e de sombrio. Nesses exemplos acima, nem eu e nem a sonhadora conseguíamos enxergar qualidades das quais precisávamos nos apropriar, integrar, para poder dar o grande salto. Nossos sonhos foram esse farol a nos guiar.